Associações de moradores de São Paulo e de Cotia estão se mobilizando contra o projeto Nova Raposo, do governo estadual, que prevê a concessão da Rodo
Associações de moradores de São Paulo e de Cotia estão se mobilizando contra o projeto Nova Raposo, do governo estadual, que prevê a concessão da Rodovia Raposo Tavares e mudanças no eixo entre a capital e a cidade da região metropolitana.
Na semana passada, representantes de 77 entidades lançaram o manifesto “Nova Raposo, não!” em que pedem a reabertura das consultas públicas sobre o projeto, Na terça-feira, 16, a pedido de moradores, a deputada Marina Helou (Rede) protocolou representação no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pedindo a paralisação do projeto.
- O plano prevê instalar seis pórticos para cobrança automática de pedágio, inclusive no trecho urbano, que ganhará túneis, viadutos, pistas marginais e alargamento das pista, além de outras intervenções.
- A futura concessionária deverá investir R$ 9 bilhões no sistema, que inclui outras estradas. A consulta pública para oferta de sugestões ao projeto já foi encerrada.
A Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) afirma que o projeto está em fase de desenvolvimento e os estudos podem sofrer ajustes. Também reforça que serão observadas eventuais restrições legais, como das regras de zoneamento.
No domingo, 14, mais de 60 pessoas participaram de uma reunião online de emergência convocada por diversas entidades, entre elas a Rede Butantã e a Rede Ambiental Butantã, além de conselheiros do Cades Butantã e do Conselho Participativo Municipal, para discutir a proposta.
“Soubemos do projeto pelo jornal, o que nos surpreendeu terrivelmente. Não houve consulta pública nem audiências divulgadas”, reclama o diretor de Relações Externas da Associação dos Moradores Amigos do Parque Previdência (Amapar), Sérgio Reze.
Segundo ele, o projeto impacta bairros residenciais e arborizados, como o Jardim Previdência e outras partes do Butantã, “e mostra mentalidade atrasada, rodoviarista, nada sustentável”.
Ao Estadão, Reze afirma que a intenção é judicializar o caso para que o projeto seja suspenso e reiniciada a discussão com as comunidades envolvidas.
De acordo com ele, o projeto foi feito “a toque de caixa”, sem respeitar as diretrizes do Estatuto da Cidade, que determina dar pleno acesso das informações à sociedade civil.
Para o conselheiro do Conselho Participativo Municipal, Ernesto Maeda, “trata-se de um absurdo que um projeto de tamanha dimensão, com imenso impacto em todo o território de sua influência, inclusive com previsão de implantação de pedágio dentro de área urbana consolidada, não inclua a participação da população”.
Martha Pimenta, da Rede Butantã, movimento que atua na região há mais de 20 anos, diz que os mecanismos de consulta são de difícil acesso. “A população passa duas horas no ônibus só na Raposo Tavares para trabalhar no centro, sempre congestionada com carros com um único tripulante. Faz 20 anos que pedimos a faixa exclusiva de ônibus e nada foi feito”, reclama.
Ex-engenheiro de transporte e tráfego por mais de sete anos na Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) na capital, Wladimir Bordoni diz que um dos maiores equívocos do projeto é estimular ainda mais o uso da Raposo Tavares para acessar áreas centrais da cidade, piorando locais já congestionados como a Avenida Pedroso de Moraes, Ponte Eusébio Matoso e Marginal.
“Além de um transporte público de massa, o certo seria investir na segurança e fluidez do Rodoanel, justamente para descongestionar os bairros”, avalia ele, morador do bairro City Butantã.
Para Bordini, o projeto desconsidera o uso da Avenida Escola Politécnica como alternativa à Raposo para ir ao centro de São Paulo. “Ela corta caminho para chegar à região da USP (Cidade Universitária), mas tem muito semáforo. Com investimento menor em passagens de nível e, se acharem necessário, de uma ponte sobre o Rio Pinheiros para atravessar para o outro lado, seria uma alternativa sem grandes desapropriações e menor impacto ambiental”, sugere.
José Jacinto, da Rede Ambiental Butantã, cobra estudos técnicos, de impacto ambiental, vizinhança, mobilidade e os respectivos estudos sociais sobre a população instalada no local.
A presidente do Movimento de Moradia da Raposo Tavares, Diva Nunes, diz que o impacto financeiro chegará ao bolso do trabalhador pelo pedágio ou pela tarifa de ônibus, que vai repassar os custos. “A população mais pobre será mais atingida. Por que não temos faixa exclusiva de ônibus e moto como a (Avenida) Francisco Morato?“, perguntou, referindo-se à Raposo.
O Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU) divulga nota de repúdio assinada por seis conselheiros regionais, alegando que a consulta pública sobre o projeto teve “pífia divulgação” e não realizou audiências públicas para dar conhecimento do projeto à população de São Paulo. Os conselheiros pedem que o processo seja reiniciado.
“É preciso o cumprimento integral das diretrizes legais que norteiam os processos participativos e o direito democrático de controle social”, diz Angela Baeder, do Conselho de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (Cades) Butantã.
‘O que farão com as árvores no caminho deles?’
Marion Altenberg, ex-presidente e integrante da Sociedade Moradores do Butantã/Cidade Universitária, diz que, além de transferir o gargalo da Raposo para o Alto de Pinheiros, haverá também impacto paisagístico. “Na Avenida Valentim Gentil, que vão mexer, tem um canteiro largo com mais de uma centena de belas árvores. Moro há 45 anos no bairro e, quando cheguei, elas já estavam lá. O que farão com as árvores no caminho deles? Vai tudo na contramão de uma cidade sustentável”, disse.
Paulo Ribeiro observa que o projeto prevê uma ponte sobre o Rio Pinheiros ligando o Butantã à Avenida Antonio Batuira, que liga a Marginal à Praça Panamericana. “Quem teve essa ideia com certeza não conhece o bairro, estritamente residencial e, apesar disso, com ruas já congestionadas.” O maior absurdo, diz, é que uma alça de acesso da nova ponte passaria sobre o Clube Alto dos Pinheiros.
Fábio Candalaft, do Conselho Deliberativo do Clube Alto dos Pinheiros, afirma que a direção do clube foi surpreendida pelo projeto da Nova Raposo. “Nós do clube ainda não temos detalhe nenhum do projeto. O clube reúne pessoas de várias regiões da cidade, usuários de várias modalidades de transporte e o impacto nos preocupa”, diz.
“Não sabemos se o projeto é bom ou ruim. E, se for bom, vamos apoiar. O que pedimos é mais prazo para analisar os objetivos e as justificativas das intervenções e avaliar se são mesmo necessárias. A região toda é muito arborizada”, acrescenta.
Para o professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Francisco Segnini Junior, o projeto afeta bairros que já têm poucas áreas verdes e vai contra o desenvolvimento sustentável.
“A falta de áreas verdes tem o potencial de gerar ilhas de calor, aumentar a poluição e intensificar o risco de enchentes. Precisamos de mais transporte público justamente para melhorar o trânsito. Por que não investir no projeto de metrô e trem e dar acesso a muito mais pessoas?”, questiona.
Cotia pede mais discussão
Ambientalistas e associações da Granja Viana, em Cotia, também se mobilizam. “Aqui vamos ter impacto grande, mas as soluções para os problemas atuais não foram apresentadas”, diz Renato Rouxinol, da Associação Amigos da Granja Viana.
“Tiveram 30 anos para discutir o projeto e agora chegaram com solução pronta. Vamos nos juntar a outras associações e acredito que a tendência é acionar o Ministério Público para que o projeto seja discutido”, afirma.
Na terça-feira passada, a Câmara de Cotia aprovou requerimento dirigido ao governo de São Paulo pedindo a realização de audiência pública na cidade para discutir o projeto Nova Raposo.
O governo realizou duas audiências públicas sobre a proposta. A primeira, em formato híbrido (presencial e online), foi no dia 28 de março, no auditório do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), na capital. A outra, dia 3 de abril, foi na Câmara de Vargem Grande Paulista.
O MP-SP confirmou que o gabinete do procurador-geral de Justiça, Sérgio de Oliveira e Costa, recebeu o ofício da deputada, que está em análise.
Projeto está em desenvolvimento e pode sofrer ajustes, diz governo
A Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), órgão do governo estadual, disse, em nota, que o projeto está em estágio de desenvolvimento e os estudos e documentos compartilhados na consulta pública são preliminares e poderão sofrer ajustes até a publicação definitiva do edital.
“Em relação à alça de acesso entre a Avenida Valentim Gentil, no Butantã, e a região de Alto de Pinheiros, o projeto atual não prevê a necessidade de desapropriação do Clube Alto Pinheiros e será utilizada a saída existente pela Praça Silveira Santos”, detalhou.
Sobre a Avenida Escola Politécnica, a Artesp diz que a via recebe cerca de 30% do tráfego da Raposo com destino ou origem a São Paulo.
“Por ser opção para os usuários que trafegam para a zona norte de São Paulo, foi prevista nova alça que liga a avenida à Raposo Tavares. Já as alterações propostas para a região do Butantã visam a reduzir os pontos de lentidão e congestionamento nos horários de pico e reduzir o número de acidentes na Nova Raposo.”
Conforme a agência, todas as autorizações necessárias à publicação do edital são obtidas, conforme previsto na legislação.
“No que diz respeito à lei de zoneamento, é preciso esclarecer que os projetos de engenharia apresentados nas audiências públicas são estudos preliminares e o desenvolvimento definitivo será realizado pela futura concessionária, que em seu projeto deverá observar todas as restrições e demais disposições da lei de zoneamento urbano aplicáveis”, afirmou.