A disputa dentro da família Klein pela herança deixada pelo fundador da Casas Bahia, Samuel Klein (1923-2014), ganhou um novo capítulo. Em uma petição
A disputa dentro da família Klein pela herança deixada pelo fundador da Casas Bahia, Samuel Klein (1923-2014), ganhou um novo capítulo. Em uma petição encaminhada no último dia 1.º à 4.ª Vara Cível da Comarca de São Caetano do Sul, os advogados de Saul Klein, o filho mais novo de Samuel, pedem uma reavaliação dos valores transferidos ainda em vida pelo pai para o primogênito, Michael Klein, e para empresas de seus filhos. Eles alegam que bilhões de reais ficaram de fora do inventário de Samuel, por terem sido anteriormente doadas nos dois anos antes de sua morte a esses herdeiros.
Entre os principais alvos da petição estão ações da Via Varejo, a empresa resultante da venda do controle da família Klein nas Casas Bahia para o Grupo Pão de Açúcar, ocorrida em 2009. Na época, a Casas Bahia transferiu ao Grupo Pão de Açúcar o controle de sua operação de varejo, resultando na formação da Via Varejo, mas manteve a propriedade dos imóveis onde estavam instaladas as lojas. Atualmente, esses negócios imobiliários fazem parte do Grupo CB, hoje controlado por Michael Klein. Pelo acordo, a Via Varejo pagaria aluguéis para a empresa que permanecia com a família Klein.
Pouco antes de todos esses acordos serem fechados, Saul vendeu a sua participação na Casas Bahia e embolsou em torno de R$ 880 milhões, em valores da época.
Agora, os advogados de Saul reclamam que, em 2013, o equivalente a R$ 7,6 bilhões em ações da Via Varejo (atualmente, Casas Bahia) que eram de Samuel foram repassados a Michael e seus filhos antes da morte do patriarca, e nada a ele. Esses valores se referem a 81.139.844 de ações ordinárias, que representavam 25,1% do capital da empresa resultante da fusão promovida pelo Pão de Açúcar para a integração das marcas de varejo de eletroeletrônicos e móveis Casas Bahia, Ponto Frio e Extra.
No dia 9 de setembro de 2013, pouco mais de um ano antes da morte de Samuel ocorrida em novembro de 2014, a Via Varejo divulgou um comunicado ao mercado informando que o patriarca da família Klein estava transferindo a totalidade de suas ações para Michael (1,6% das ações da Via) e outras empresas da família – EK-VV Limited (10,9%), Bahia VV RK Limited (6,3%) e Bahia VV NK Limited (6,3%). Essas empresas trazem, respectivamente, as iniciais de Eva Klein (irmã de Michael e Saul), Raphael Klein e Natalie Klein, os filhos mais velhos de Michael. Tratam-se de empresas offshore que receberam as ações da Via Varejo e outras doações do Samuel em ações da empresa da família.
Naquele ano de 2013, a Via Varejo já tinha ações cotadas na Bolsa de Valores de São Paulo, mas que representavam apenas 0,6% do capital. Então, no fim de dezembro, a empresa realizou uma oferta secundária de maior porte, que ficou conhecido como o IPO da Via Varejo, já que seria, na prática, a primeira vez que uma fatia considerável de suas ações passaria a ser negociada abertamente em bolsa. Com a operação, a empresa passou a ter 25,6% do seu capital em livre negociação.
No prospecto de apresentação da oferta de ações, a Via Varejo informava que o preço médio da ação ordinária em setembro de 2013 havia sido de R$ 23,66. É esse o valor de referência utilizado pelos advogados de Saul para reclamar que a doação de ações de Samuel a seus filhos e netos equivaliam a R$ 7,6 bilhões na época da transferência.
A estimativa é explicada por que, depois da doação de mais de 81 milhões de ações e antes da oferta secundária, houve um desdobramento de um para quatro das ações, para facilitar as negociações no mercado. Dessa forma, os papeis detidos pela família passaram a ser de 324.559.376 unidades.
A defesa de Michael Klein nega que haja qualquer irregularidade tanto na partilha quanto nas doações feitas em vida por Samuel Klein. Segundo Michael, o irmão mais novo não recebeu uma participação nessas doações por já ter embolsado valor relativo a sua participação na empresa em 2009. “Ele não fazia mais parte da empresa desde 2009. Ela já havia recebido uma antecipação, em torno de R$ 800 milhões, da participação dele. Fechou um acordo com o meu pai (nesse sentido)”, afirma.
Já os advogados de Saul defendem que ele deveria ter direito a uma parte dessas doações. “Nos últimos meses de vida do senhor Samuel, aconteceram transferências patrimoniais em série, envolvendo valores bilionários, e em benefício apenas de determinados herdeiros. Com isso, a parte de Saul Klein na herança foi irregularmente reduzida”, diz Ricardo Zamariola, sócio do escritório LUC Advogados, que representa Saul. “Agora, os herdeiros beneficiados em vida têm a obrigação legal de devolver o valor que receberam, para igualar os quinhões hereditários. É o que diz o Código Civil.”
IPO da Via Varejo
Uma parte desse valor em ações pôde ser embolsado pela família na oferta pública de ações da Via Varejo, no fim de 2013, quando Michael e as empresas EK-VV Limited, Bahia VV RK Limited e Bahia VV NK Limited, colocaram à venda grande parte dos papeis em posse da família, numa oferta de mais de R$ 1,7 bilhão dentre o total de R$ 2,85 bilhões vendidos ao mercado.
Pelo prospecto de venda de ações da época, Michael ofereceu para venda o equivalente em ações a R$ 747,632 milhões, a EK-VV, R$ 453 milhões e a Bahia VV RK Limited e a Bahia VV NK Limited, R$ 260,6 milhões cada.
Outras duas empresas ligadas à família Altara NK Investments Limited e Altara RK Investments Limited venderam mais R$ 113,2 milhões cada. O restante da oferta secundária total de R$ 2,85 bilhões ficou com o Grupo Pão de Açúcar, que levantou R$ 896,8 milhões, na operação.
Seis anos depois, em 2019, Michael voltou a ser o maior acionista individual da Via, ao comprar ações da empresa. Hoje ele detém pouco menos de 10% das ações, e a família Klein como um todo, incluindo Eva, Raphael e Natalie, chega a 24% da Via Varejo, rebatizada no ano passado como Grupo Casas Bahia.
Internação
Uma queixa adicional dos advogados de Saul é que esses contratos de transferência de ativos bilionário de seu pai teria acontecido enquanto Samuel estava internado no Hospital Albert Einstein. O prontuário do hospital mostra que o empresário deu entrada no dia 25 de agosto de 2013 e teve alta no dia 11 de setembro. O documento enviado para a Comissão de Valores Mobiliários, anunciando a transferência completa das ações, é do dia 9 de setembro. Depois, ele permaneceria internado mais uma vez entre 10 de outubro e 7 de novembro.
Com isso, os representantes de Saul alegam que, considerando as ações detidas na Via Varejo e na empresa Casas Bahia que permaneceu na família, Samuel detinha patrimônio de mais de R$ 8 bilhões. E, nos dois últimos anos de vida, o empresário doou a filhos e netos, sem contar Saul, 95% deste patrimônio, por meio de transferência de ações e de pagamento de lucros de sua empresa.
“A gente pede que todos valores, tanto em espécie quanto em bens, recebidos pelos herdeiros do senhor Samuel sejam declarados”, afirma Katia Vilhena, do LUC Advogados. “Isso inclui doações indiretas, que não foram feitas de forma expressa para o herdeiro, mas feitas por interposta pessoa, seja pessoa jurídica ou física. Isso é muito comum e cada vez mais tem sido realizado para disfarçar a doação.”
O testamento de Samuel trazia valor de R$ 500 milhões. O plano de partilha repartia metade do patrimônio em fatias iguais aos herdeiros diretos, conforme a obrigação legal. Dessa forma, Michael, Saul e Eva ficariam com R$ 82,7 milhões cada. A outra metade, segundo a alegada vontade de Samuel, repassava R$ 124 milhões a Michael, nomeado inventariante do patrimônio, e outros R$ 124 milhões para duas empresas baseadas na Nova Zelândia de responsabilidade de Natalie Klein, exatamente as de nome Altara NK Investments Limited e Altara RK Investments Limited.
Saul também contesta essa partilha. Os seus advogados apresentaram, no ano passado, à Justiça a suspeita de que houve falsificação das assinaturas de Samuel em quatro alterações no contrato social da Casas Bahia, ocorridas nos últimos dois anos de vida do empresário, e também em seu testamento, de agosto de 2013.
Em entrevista ao Estadão, Michael Klein comentou que o irmão Saul não tem tido sucesso nos seus pleitos. “Na Justiça, ele está perdendo tudo”, disse.
Os advogados de Saul, no entanto, comemoram uma decisão, do dia 19 de março, da 9.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que Michael teria de apresentar ao irmão os documentos referentes às doações realizadas pelo pai a empresas offshore um ano antes de morrer. Eles também dizem que decisão relativa ao inventário também exigiu a apresentação de informações sobre isso.
“Vamos cobrar até o fim o cumprimento dessas decisões. Como inventariante do pai dele, é ainda mais grave essa resistência de Michael em apresentar detalhes sobre as doações de Samuel”, afirma Zamariola.
Para a defesa de Michael, cabem recursos para esses processos. A expectativa é que os recursos levem a decisão até o Superior Tribunal de Justiça (STJ).