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A pandemia de covid-19 trouxe o que parecia ser o novo normal no mercado de trabalho: a adoção do chamado home office. Grande tendência desde 2020, o regime remoto levou funcionários, de um lado, a viver um equilíbrio maior entre a vida pessoal e o emprego, enquanto as empresas se beneficiavam do corte de custos com a devolução de escritórios e salas comerciais. Nos últimos anos, porém, a flexibilidade da jornada de trabalho em casa passou a dar lugar ao modelo híbrido, com exigência de pelo menos três dias da semana de atividade presencial, um movimento liderado por gigantes como Apple, Google, Meta, Twitter, Amazon, Disney e BlackRock. Em algumas empresas, o modelo presencial passou a ser obrigatório em todos os dias da semana, como é o caso da Boeing e do J.P.Morgan. A pressão levou a uma onda de pedidos de demissão, mas agora as empresas encontraram uma saída que promete ser definitiva: pagar mais para aqueles que abandonarem de vez o home office.
A empresa americana de tecnologia Dell fez um alerta recente aos colaboradores: aqueles que continuarem à distância não receberão mais promoções. Trata-se de uma estratégia em ascensão. Nos Estados Unidos, os trabalhadores em regime totalmente presencial receberam no ano passado quase o dobro de aumentos salariais na comparação com funcionários remotos. Ou seja, as empresas passaram a dividir os colaboradores em duas categorias. Há um primeiro time, formado por pessoas que vão sempre ao escritório e são elegíveis para aumentos e promoções, e uma espécie de segunda divisão, composta de adeptos do expediente no lar.
Assim como foi na adoção do home office, a volta do trabalho presencial é um fenômeno global. Uma pesquisa da consultoria Unispace feita em 17 países mostrou que 72% das empresas passaram a exigir, em algum nível, o retorno aos escritórios em 2023. Por trás da virada de chave há a impressão de que os colaboradores são menos produtivos quando trabalham em casa. “As companhias têm a percepção de que a queda nos resultados e faturamento têm relação com o regime remoto, em virtude da distância e da baixa interação entre os funcionários”, afirma Lucas Nogueira, diretor regional da consultoria de recrutamento Robert Half. Essa é uma constatação já endossada publicamente por grandes executivos. John Donahoe, presidente da Nike, afirmou que o trabalho remoto é culpado pelo período de pouca inovação na empresa, já que “é difícil ser disruptivo” nesse modelo.
Mais do que simplesmente se consolidar como nova tendência, a volta do regime presencial instituiu um cenário de cabo de guerra entre empresas e empregados. Segundo o estudo da Unispace, 42% das companhias experimentaram desgastes na relação com seus funcionários, enquanto 29% enfrentam dificuldades para recrutar novos talentos. Para atrair e reter sua força de trabalho, as corporações têm apostado em estratégias diferentes — algumas mais contundentes do que outras. Na Amazon, o presidente, Andy Jassy, disse aos funcionários que o relacionamento com a empresa “provavelmente não vai funcionar” se eles desafiarem a política de retorno ao escritório. A postura impositiva também foi adotada por Jamie Dimon, presidente do banco J.P. Morgan, e Elon Musk, dono do X (ou Twitter) e da Tesla Motors.
Seguindo o ritmo global, o Brasil também testemunha uma volta ao modelo de trabalho menos flexível, embora isso não venha necessariamente acompanhado de holerites mais gordos. “Por aqui, o poder de barganha dos funcionários é um pouco menor, porque o mercado de trabalho é menos dinâmico do que nos Estados Unidos, mas tem havido melhora”, afirma Rodolpho Tobler, pesquisador da Fundação Getulio Vargas.
Em pesquisa publicada em fevereiro, a FGV mostrou que 15% da população ocupada no Brasil trabalhava em home office até o fim de 2022, um número que vem caindo. “Mesmo empresas com regime remoto têm buscado levar mais os colaboradores ao escritório, promovendo encontros de networking ou atividades de desenvolvimento”, diz Roberta Saragiotto, chefe de Recursos Humanos da consultoria Start Carreiras. Ela observa que as companhias vêm aumentando os benefícios e comodidades do escritório para conquistar a aceitação dos funcionários, como a oferta de espaços para animais de estimação e de convivência. É uma clara demonstração da força do capitalismo na batalha por mais produtividade.
*Na versão original deste texto, informamos erroneamente que a Intel não promoverá trabalhadores em home office. Trata-se, na verdade, de uma política estabelecida pela companhia Dell.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889